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Admite-se Recurso Especial com Base em Violação a Princípio Constitucional?

Publicado em: 14 de março de 2011

CABRAL, Rodrigo Moraes 1

Nos Estados estruturados sob a forma federativa, em que convivem, lado a lado, leis federais e leis locais, estas últimas de âmbito estadual ou municipal, e em que o Poder Jurisdicional se exercita por meio de órgãos judiciários federais e locais, a tutela da autoridade e da unidade da lei torna-se mais difícil e complexa. Para que tutela jurisdicional seja efetiva impõe-se órgão judiciário instrumentos apropriados.

Nas palavras de Santos , criou-se o Superior de Tribunal de Justiça com o advento da constituinte de 1988, aportando-se aquele como órgão jurisdicional de terceiro grau da Justiça Federal e de superposição das Justiças Estaduais ordinárias, visando, com isso, reduzir o número de trabalho do Supremo Tribunal Federal. De tal forma, atribuiu-se ao STJ ampla competência, para processar e julgar originariamente, dentre outros aspectos, em sede de recurso especial:

"as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal".

Nesse passo, de conformidade com tal dispositivo legal, a tutela da autoridade e da unidade da lei federal sofreu alterações, competindo ao STF, pelo seu instrumento - o recurso extraordinário - manter a autoridade e a unidade da Constituição Federal, ao passo que compete ao STJ, pelo seu instrumento - recurso especial - manter a autoridade e a unidade das leis federais, de natureza infraconstitucional. Todavia, surge questionamento assaz peculiar: haveria possibilidade de admissão de recurso especial com base em violação a princípio constitucional?
  
Em resposta a tal questionamento surge Carvalho , utilizando-se de meios interpretativos da questão, apontando que:

"em nenhum momento vislumbra-se a possibilidade - pelo menos no corpo da Lex Fundamentalis - de interposição de recurso especial baseado em violação a princípio constitucional, o que apenas se admitiria, em sendo o caso, na hipótese da jurisprudência dos tribunais superiores entender por tal cabimento, na medida em que a Carta Magna não veda expressamente tal prática, mas tão somente se omite quanto à questão".

Desta feita, nota-se que tal situação se encontra de forma nebulosa tanto na doutrina quanto na interpretação gramatical do dispositivo de lei que trata de tal assunto. Sendo assim, cabe-nos analisar o entendimento do órgão jurisdicional competente para apreciar a matéria em sede de recurso especial, qual seja, o STJ que, em acórdão proferido, expôs o seguinte entendimento:

"Não é da competência desta Corte Superior examinar eventual violação de dispositivos ou princípios constitucionais, em sede de recurso especial, ainda que para fins de prequestionamento, atribuição reservada ao Supremo Tribunal Federal, como guardião da Lei Maior".

Nesse caminho segue ementa de outro acórdão proferido pelo mesmo Tribunal:

"PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA - CDA. REQUISITOS. MULTA. EXAME. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ. VIOLAÇÃO. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Para a aferição da certeza e liquidez da Certidão da Dívida Ativa " CDA, bem como da presença dos requisitos essenciais à sua validade e regularidade, é necessário o exame de matéria fática, diligência incompatível com a natureza do recurso especial. Incidência da Súmula 7/STJ. 2. A violação de princípios constitucionais - ampla defesa - não pode ser conhecida no âmbito do recurso especial, por configurar ofensa direta e frontal ao texto constitucional. 3. Agravo regimental não provido. " (grifo nosso).

Logo, havendo puramente uma violação a princípio constitucional, sem pretensão de análise de legislação infraconstitucional, caberá sim ao STF e não ao STJ a apreciação e julgamento de recursos extraordinários que versem sobre eventual violação a princípio constitucional, ante seu dever de "guarda" a constituição.
  
Entretanto, observa-se a existência de posicionamento do STF no sentido de ser de competência do STJ, quando, a pretexto de ofensa a princípios constitucionais, a intenção principal seja a análise de legislação infraconstitucional. Nesse quesito, é notório salientar que há claramente um intuito de utilizar o critério de violação à ordem principiológica aos preceitos contidos na Carta Magna como medida de reapreciação de legislação infraconstitucional, competência esta diretamente ligada ao STJ. Nesse sentido o acórdão:

"Na instância de origem foi ofertada à parte agravante a devida prestação jurisdicional, por meio de decisão fundamentada, que, todavia, mostrou-se contrária a seus interesses, não merecendo acolhida a tese de violação aos princípios da ampla defesa e do devido processo legal. É inadmissível recurso extraordinário no qual, a pretexto de ofensa a princípios constitucionais, pretende-se a análise de legislação infraconstitucional. Hipótese de contrariedade indireta ou reflexa à Constituição Federal ." (grifo nosso)

Logo, pode-se notar que o entendimento da Suprema Corte apenas se aplica às hipóteses em que, "a pretexto de ofensa a princípios constitucionais, pretende-se a análise de legislação infraconstitucional", o que nos leva a crer que, havendo puramente uma violação a princípio constitucional, contudo, sem pretensão de análise de legislação infraconstitucional, caberá de forma válida ao STF a apreciação e julgamento de recursos extraordinários que versem sobre eventual violação a princípio constitucional, ante seu dever de "guardar" a constituição .
  
Destarte, torna-se passível a tese de não ser admissível recurso especial quando o objetivo for a discussão de eventual violação a princípio constitucional, o que apenas será possível mediante interposição de recurso extraordinário junto ao Pretório Excelso.

1 Graduado em Direito pela Universidade de Rio Verde - FESURV, pós-graduado em Direito Processual Civil pela UNIDERP/LFG, advogado e professor universitário no curso de Direito da Faculdade Almeida Rodrigues - FAR e professor orientador do Núcleo de Prática Jurídica do curso de Direito da FAR.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 5 de outubro de 1988.

Brasil. Superior Tribunal de Justiça. 1ª Turma. Relatora Ministra Denise Arruda. AGRG no AI nº 974033/SP. Acórdão publicado no Diário da Justiça de 18/09/2008.

______. 2ª Turma. Relator Ministro Carlos Meira. AgRg nos EDcl no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.061.161 - SP (2008/0127247-3). Acórdão publicado no Diário de Justiça de 09/02/2009.

______. 2ª Turma. Relatora Ministra Ellen Gracie. AI nº 749415/PA. Acórdão publicado no Diário da Justiça de 18/12/09.

CARVALHO, Thiago Luiz Pacheco de. Cabe Recurso Especial contra a violação a princípio constituicional?. Web Artigos. Publicado em 15/03/2010. Disponível em: < http://www.webartigos.com/articles/34374/1/Cabe-recurso-especial-contra-violacao-a-principio-constitucional/pagina1.html>. Acesso em: 22/03/2010.

SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. Vol. 3. 23.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. P. 183-199.

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