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A Utilidade ou não da Aceitação do Efeito Translativo como um Efeito Autônomo dos Recursos

Publicado em: 14 de março de 2011

CABRAL, Rodrigo Moraes 1

O termo recurso pode ser analisado como um ato processual através do qual há submissão a reexame, pelo mesmo órgão julgador ou por outro hierarquicamente superior, de uma decisão interlocutória, sentença ou acórdão, reivindicando sua reforma (total ou parcial), integração ou nulidade. No que se refere aos seus efeitos, o recurso pode ter alguns critérios base de envolvimento como o efeito devolutivo e suspensivo. Entretanto, destaca-se o chamado efeito translativo, onde nos instiga a analisar se o mesmo tem sua utilidade aceita ou não como um efeito autônomo na ordem recursal, observando o ponto de vista prático.

Em prima facie, tem-se que o efeito translativo é autorizado pelo art. 515, § 1º, do CPC, onde sua aplicação fica tangível a questões de ordem pública (art. 301 do CPC), a cujo respeito não se opera a preclusão e que devem ser apreciadas pelo Juízo. Nota-se que tal efeito ocorre quando o sistema autoriza o julgamento além do que está disposto nas razões e contra-razões, contudo, cabe ressalvar que não se trata de um julgamento extra petita, pois, como supramencionado, o Juízo deve conhecer da matéria independentemente de provocação específica das partes, isto é, de ofício. Nesse caminho, Nelson Nery Jr. traduz tal situação ao identificar o efeito translativo como a profundidade do próprio efeito devolutivo, aduzindo que sempre que o tribunal puder apreciar uma questão, geralmente de ordem pública, fora dos limites impostos pelo recurso, estar-se-á diante de uma manifestação desse efeito .

Quanto ao seu efeito autônomo na ordem recursal, Thiago Luiz P. de Carvalho  suscita que:

"vislumbra-se ser atualmente o efeito translativo aceito como um efeito autônomo dos recursos, na medida em que o mesmo permite que o tribunal ad quem, sempre que possível, aprecie questões que estejam até mesmo fora dos limites impostos pelos recursos. Visando coadunar com o ora exposto, importante citar o entendimento solidificado no Superior Tribunal de Justiça, in verbis: (omissis) As matérias de ordem pública, ainda que desprovidas de prequestionamento, podem ser analisadas excepcionalmente em sede de recurso especial, cujo conhecimento se deu por outros fundamentos, à luz do efeito translativo dos recursos. Precedentes do STJ: RESP 801.154/TO, DJ 21/05/08; RESP 911.520/SP, DJ 30/04/08; RESP 869.534/SP, DJ 10/12/07; RESP 660519/CE, DJ 07/11/05. (omissis)".

Assim, autonomia do efeito translativo tem por base garantir uma aplicação mais efetiva dos critérios legais, tornando válida a segurança jurídica quanto às questões de ordem pública sobressaltadas na relação. Respaldando esse posicionamento, nota-se, ademais, que a jurisprudência reconhece o efeito translativo, este consistente na possibilidade atribuída ao órgão julgador de conhecer de ofício as questões públicas. Sendo assim, o Superior Tribunal de Justiça :

"PROCESSUAL CIVIL - VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC - OMISSÃO INEXISTENTE - APELAÇÃO CÍVEL - IMPUGNAÇÃO PARCIAL AOS TERMOS DA SENTENÇA E INOVAÇÃO NAS RAZÕES RECURSAIS - SÚMULA 7/STJ - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADO - EFEITOS DEVOLUTIVO E TRANSLATIVO - MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. 1. É inviável o recurso especial se, para a apreciação da matéria suscitada, faz-se necessário o reexame do conjunto fático-probatório dos autos. Súmula 7/STJ. 2. Inadmissível o recurso especial, com base na alínea "c" do permissivo constitucional, se os arestos paradigmas não se amoldam à realidade fática dos autos. 3. Em nosso sistema processual, o juiz não está adstrito aos fundamentos legais apontados pelas partes. Exige-se apenas que a decisão seja fundamentada, aplicando o magistrado ao caso concreto a legislação considerada pertinente. Inocorrência de violação ao art. 535 do CPC. 4. O efeito devolutivo dos recursos, consubstanciado no brocardo tantum devolutum quantum appellatum, veda a apreciação de matérias que não as ventiladas nas razões recursais. 5. Entrementes, ante a excepcionalidade de determinadas matérias, mormente as de ordem pública, pode o tribunal transcender - matéria constante nas razões recursais, em razao do efeito translativo previsto no art. 515, 2o e 3o, do CPC. 6. Situação peculiar do feito, em que a sentença extinguiu o processo sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido. 7. Entendendo o Tribunal de origem não estarem presentes as condições para julgamento imediato do feito, por se tratar de matéria que demanda dilação probatória, devem os autos baixar à origem para instrução e novo julgamento, sob pena de ofensa à garantia do duplo grau de jurisdição. 8. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, improvido".

Destarte, fica claro que o efeito translativo constitui efeito autônomo dos recursos, uma vez que não depende dos outros efeitos (suspensivo e devolutivo) para que tenha aplicabilidade prática. Tal fato assim se dá, posto que, independentemente dos demais efeitos, havendo nos autos questões de ordem pública sobressaltadas, estas deverão ser analisadas pelo Tribunal ad quem, em observação direta ao efeito translativo dos recursos. Ademais, do ponto de vista prático, a aceitação do efeito translativo de forma autônoma pelos Tribunais possui utilidade fática, na medida em que permite aos julgadores dos órgãos ad quem a análise das questões de ordem pública constantes nos autos, mesmo quando não suscitadas no recurso, visando, desta forma, garantir a efetividade buscada na tutela legítima dos direitos.

1 Graduado em Direito pela Universidade de Rio Verde - FESURV, pós-graduado em Direito Processual Civil pela UNIDERP/LFG, advogado e professor universitário no curso de Direito da Faculdade Almeida Rodrigues - FAR e professor orientador do Núcleo de Prática Jurídica do curso de Direito da FAR.

Referências Bibliográficas

CARVALHO, Thiago Luiz P. de. Autonomia do Efeito Translativo dos Recursos. Web Artigos. Disponível em: . Acesso em: 07 dez de 2009.

NERY JR, Nelson. Teoria Geral dos Recursos. 6ª Edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

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